quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

À PROCURA DE DRUMMOND

Toma um lápis, caneta qualquer.
Haverá uma folha que espera-te em branco.
Encontra-a. Senta. Espera.
Diante dela, promete lembrar, esquecer, inventar.
Mas lembra: sê infiel!
Entende que a tinta independe de ti.
Ela vai pelas linhas que acha corretas.
Tua lágrima não mancha seu caminho liberto.
É preciso indiferença. Indifere a precisão.
Aqui não há força, vontade ou escolha.
O puro traçar: a pura poesia.

Escolhe as mentiras. Não se escreve verdades.
Encontra onde perder-se:
Um fonema brilhante, uma frase disforme, uma rima arredia -
Tudo isso é saudade, precede o suspiro e te faz inspirar.
Inspirar é preciso, não esquece!
Antes do canto, e antes do chôro, acorda os pulmões:
O mais louco dos loucos, no maior dos abismos,
Na iminência do salto, enche o peito de ar.

Escuta os teus olhos, observa a tua boca, lambe o nariz.
Torna-te olhos, ouvidos, boca, nariz,
Essa pele que olha, que ouve, que cheira
E que é, antes de tudo, teu mundo.
Não tentes sair.
Ninguém deixa essa bolha,
Essa esfera primeira de medos e culpas.
És o seu perpétuo inquilino, prisioneiro, parasita...
Escultor, acredita: tuas mão não se sujam de argila -
A argila se suja de ti.

Não movas ainda a grafite!
Espera o impulso - o espasmo do pulso.
Deixa que tua letra nasça daí,
Desse puro querer que acomete sem data.
Escreve! Alegra-te! Sorri com as letras!
Uma frase bem feita já vale uma vida.

Em poucas estrofes, teu rosto se mostra,
Dizendo verdades, arrotando bom senso.
Mas logo se esconde (repuxo da onda).
Assim verás tua lábia cair,
As palavras zombando de ti.
Mas não desistirás.
Resistirás
Até o instante correto:
O instante da raiva.

Dá voz a esse grito,
Esse surdo e oco grito
Que rói tuas entranhas e ossos.
Permite que soe, ecoe, transcenda tua pena.
Coloca-o na frente de cada parágrafo.
Repete, repete, repete enfim.

Aceita que choras (repuxo de ti).
De volta a ti mesmo,
Aceita que cansas - os versos já falham.
E após tudo isso, esse esforço socado
nessa ânsia imensa, entende:
O mundo é o mesmo,
e tu és o mesmo,
e nada mudou.

Mas vem. Contempla teu feito.
Aproxima teu rosto.
Afina tua vista. Vê:
Este pedaço de letra,
esta linha que falha,
Bem aí no final,
este fim da poesia,
retardo do traço,
Este sou eu.

2 comentários:

  1. Excelente, Léo!
    Belíssimo texto.
    A segunda estrofe é um soco no estômago.
    A terceira me lembrou Nietzsche, "Há mais razão no teu corpo do que na tua melhor sabedoria".
    A quarta me lembrou "big Nigger", em tabatinga, proferindo aquele comentário sobre alguma letra sua.
    A finalização foi sublime.

    Parabéns por mais essa obra prima.

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  2. Me lembrou uma frase de Hemingway. Ele dizia que escrever é muito fácil, é só sentar numa cadeira e abrir uma veia. Muito bom.

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