terça-feira, 25 de outubro de 2011

EPOPÉIA DO ESGOTO

Uma barata lambe os meus pés.
Ela desce.
Ela enxerga no escuro
minhas mágoas,
minhas fezes.

Ela ingere meus pedaços
de mentira,
de pigarro.
Ela beija a minha pele
carcomida sob os ralos.

Ela anda sobre as horas
vomitadas pelo acaso.
Reconhece na descarga
os meus dias infecundos.

Ela sobe pelos muros
de tijolos e recato.
Arremete cada passo
de encontro ao absurdo.

Ela tece umas redes
obscuras com os ratos.
Enaltece essas traças
cujos corpos eu expurgo.

Sua deixa é o descaso,
sua casa é o debaixo,
sua lide é a sujeira
recusada pelo mundo.

Trinta anos de chumaços
de cabelo nos separam.
E conquanto a desconheça
pelos cantos do meu quarto,
ela sabe cada verme
que aguarda meu cadáver.

Ela agora é um pronome
definido,
desinfecto,
chafurdando na limpeza
do silêncio das palavras.

E ainda desatenta
ao sujeito,
aos dejetos,
ela aceita por completo
toda a vida que eu rejeito.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

POEMA PARA UM DIA SÓ

Hoje eu morri mais cedo.
(Tenho pressa do poente.)
As curvas das horas em volta de mim.
A noite amanhecera à tarde;
O céu me observava estranho;
Você me conheceu já ido.

Ontem nascerei de novo.
Certo de não ser bem-vindo.
Tudo quase meio torto,
O dia restará no início;
As sombras restiarão meu corpo;
O tempo não fará sentido.