quinta-feira, 5 de julho de 2012


PARÊNTESE

Cultivo infinitos.

Assim que me perco em tudo.

Amanheço vontades de outro ser,
de outro estar.

Vazios me grudam nas solas dos pés,
e eu levo nos bolsos um pouco do céu.

As horas me navegam enquanto
a cor faz cócegas na pele do sol.

Aprendi a chover de tanto água.

Quem sabe o rio de nossas distâncias?

(Na hora do almoço, o mundo quebrou
uma mosca na mesa. O dia parou.
Acho que foi sem o vento
das asas.)

Faz dois meses, escrevo um poema.
Ele morreu e não percebo:
revolvo as palavras agora uns cadáveres.

Eu sou palavra morta que o tempo
não consegue poetar.

quinta-feira, 21 de junho de 2012


SE MEU GRITO

Se meu grito me coubesse,
o meu sopro seguiria essas nuvens entre os nomes.

Comunico-me aos poucos.

Sinto falta do mistério que habita esses anos
entre o olho e o fastio.

Sou uns verbos do passado conjugados no ausente.

Tive quase toda a vida resumida pelo som
de uma tarde terminando.

Se meu grito me soubesse,
o meu rosto se faria uma linha no horizonte.

segunda-feira, 11 de junho de 2012


MEU VERSO
Para Flavinha e Bel

Meu verso é só um gesto
de procura
de abrigo.

Nas esquinas dessas linhas,
nessas dobras do vazio,
eu cultivo em segredo
uma rima impossível.

Eu desenho nas calçadas
o teu rosto se esvaindo;
contraceno umas peças
com as nuvens dançarinas.

Faço o mundo minha lauda.
Faço tudo por pirraça:
me travisto de palavra,
de ausência perfumada,
de silêncio diluído.

Nas esquivas dessas vidas,
nesses dias que são rios,
o universo coube um gesto
de carinho arrefecido.

E meu verso, só um traço
tatuado no espaço
entre a dor e o alívio.

sábado, 2 de junho de 2012


A VIDA EM TRÊS TEMPOS

Tua boca teve o peso
que se tem toda manhã
de voltar a ser o mesmo,
de sair do sonho bom.

*
Nossos dias têm o meio
infestado pelo sol,
essa luz que aborrece,
essa fuga do segredo.
  
*
Já desfaço minhas noites
em pedaços de oceano,
no descame do descanso,
no retorno do degredo.

sexta-feira, 18 de maio de 2012


RETICENTE

Desistências me conformam.
Saliências nos concordam.
Nasço dessas imanências
a que o tempo nos condena.

Trago o fardo imensurável
de amar o inefável,
de colher nas coisas mudas
uns pedaços de silêncio.

Sei do riso das palavras,
da carícia não vingada,
do perfume da ausência...
Sei de nada.

Guardo as chagas da poesia
que desfaz e metrifica
nosso olho, nossa sina.
Assassina!

Tive uns séculos inteiros
entre o gozo e o desapego,
entre o toque e o aceno 
entreato, entrelinhas.

Entre tanto permaneço:
faço casa no ainda
que se diz na hora finda
que precede o nosso beijo.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

PAUTA

Palavra tem dessas coisas:
revolve tudo,
constrói uns mundos,
não leva nada.

Tentei fazer poesia e me desfiz um pouco.

– Quantas vidas leva um verso?
– A tua.

De nada me valeu teu nome –
os nomes são pessoas longe;
de perto são apenas nomes.

Ontem eu me fiz palavra.
Ontem eu morri um tanto.
Hoje sou apenas pauta.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

MENSAGEM AO AMANHÃ

Ontem eu quis as estrelas.
(Hoje acordei menos chão.)

Onde o tempo se rende,
Quando a pele nos funde,
nossos silêncios se entendem.

Quantas palavras se escondem
nos restos de um dia recente?
Quantos caminhos contidos
no gesto de adeus indeciso?

Sobre teu corpo futuro
jazem os sonhos infantes,
nasce a minha saudade.

– Quem assina?

Hoje eu sou as estrelas.
Ontem passou num instante.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

(Ex-moradores da comunidade Pinheirinho, São José dos Campos - SP. Após a desocupação pela Polícia Militar, algumas famílias se refugiaram em uma igreja. Alguns dias depois já estavam expulsos de lá também.)


PRECE

Seja tua a minha dor pelo tempo deste verso,
que a palavra no reverso é procura e

desencontro.

(Que seria senão isto: o vazio preenchido
com os dias,
com os rios,
com o cheiro do silêncio... ecoando nas retinas?)

Seja pele a minha letra no roçar de tua vista;
tu insista,
me alcança
entre a tinta e o papel,
entre o mesmo e a mudança.

Sobre a vaga celulose universos me disputam.
Não pertenço – permaneço
à espera do chamado
de outras vidas,
outros mundos.

Seja som a minha ausência no momento mais propício
ao carinho,
ao suplício,
ao encontro que marcamos.

O sorriso é nossa rima;
o arquejo metrifica
nossa lide,
nossa sina
assassina.

Seja só um estribilho meu bramido
por socorro;
seja toque a minha prece
no teu corpo;

Seja toda a existência um minuto de poesia.
Eu pereça a cada estrofe,
e renasça em teu ouvido.

domingo, 22 de janeiro de 2012

MEIO DA RUA
(Aos guerreiros de Pinheirinho)

No meio do rio se faz torvelinhos.
No meio da rua morreu a menina.
No seio – tão nua! – um traço de rubro;
receio de culpa, desejo de tinta.

Nas linhas da pele, um pouco de tudo:
Navalha, miséria, secura, partida;
No rosto um sorriso fingido em batom
Narrava uma história de morte bem-vinda.

Narizes à toa entorno do corpo,
Ninguém lhe soubesse o nome, a sina.
Nem susto, nem prece, nem grito de dor;
Nenhum sobreaviso por trás das retinas.

No meio suspiro do último instante,
Nenhum desapego, nenhum burburinho.
No meio do dia morreu a menina.
Agora, na rua se faz torvelinhos.