sábado, 9 de janeiro de 2010



PELE MORTA

Prosa, poesia, vida minhas
(Tudo versejado em tortas linhas),
Seguem me espargindo pelos cantos;
Tecem numa trama os desencantos;
Somam-se de coisas bem mesquinhas

Restos dessas coisas, desses prantos
Soam nas esquinas dentre tantos
Prédios, avenidas, muros, bares,
Fartos dessas vidas angulares,
Seita, de outros deuses, outros santos

Sobre os seus ásperos altares
Curvo-me aspergindo meus pesares
(Sobras que se soltam vez em quando,
Seixos que se lançam sem comando,
Salto de sementes pelos ares).

Nuvem quase solta, vento brando;
Noites carcomidas, som nefando
Soa pelas bocas destes vermes
Tristes, mastigando em epidermes
Sonhos que se soltam, descascando.

Esses, que se tornam vossos germes
(Sonhos de que falo, não dos vermes),
Vedam vossos olhos com poeira,
Causam-vos torpor pela coceira,
Frustram vossos corpos já inermes.

Versos aparados pela beira,
Cílios exsicados na cegueira,
Silvos do silêncio na paisagem,
Mescla de cimento e de folhagem,
Crescem, dando o nome que se queira,

Formam esse musgo sem imagem,
Denso, esquivado na paragem;
Fosco pela luz que lhe aquece;
Sempre recolhido pela prece,
Misto de visão e camuflagem.

Prosa, poesia: minha messe –
–Tudo que descama e apodrece –
–Seca em minhas veias, aquieta.
Há de ser eu mesmo que a dejeta?
Ou ela que me deixa, me esquece?

terça-feira, 5 de janeiro de 2010



ALTER EGO

Às vezes dá vontade de inventar um super-herói, um outro eu que vivesse a nossa vida (ou, pelo menos, alguns momentos): uma briga de que se foge, uma frase que não se diz, um alguém que deixamos ir.

Eu construo o meu com bastante zelo. Visto-lhe com umas roupas bem vistosas, uma capa esvoaçante, umas cores chamativas, uma máscara de sorriso que não cessa nunca.

E lhe dou super-poderes que gostaria fossem meus – a habilidade de dizer a coisa certa em cada situação; a capacidade de conquistar todos ao meu redor; de lhes dizer quem sou, o que sinto e o que penso sem qualquer temor; uma força sobre-humana para vencer meus próprios medos, para tornar-se tudo que eu mesmo sempre quis.

Estranho: meu super-herói imaginário sonha ser eu.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

TÍSICA

A vida minha, que seja
ao menos grito. Só.

Que a mim me basta o som
Do fôlego cessando,
Do trôpego caindo,
Dos ramos escorrendo,
(também do sol se pondo)
Por sobre meu jardim

Do surdo-quase-estrondo,
Efêmero, horrendo
Ranger do dia findo
- Calar dos sonhos brando

A minha, ao menos, vida
Eu deixo para os porcos

Que a mim me basta o sumo
Do soco revidado,
Do cuspe escurecido,
Da tosse quase muda -
Suor que veste tudo:
Vontades, medos, culpas.

A vida, ao menos minha,
Eu finjo que protejo;

Eu tinjo de vermelho
A cada madrugada
Na letra duma carta,
Num gole de cachaça,
Num gol que não se marca,
Num golpe entre tuas coxas,
Na pútrida golfada.

A vida,
menos vida,
menos minha,
Vai tecendo suas teias,
Vai deixando pelo meio
Saudades e sequóias,
Tumores e traquéias,
Estrofes já rendidas
Na tinta da caneta,
No pus de meus pulmões.

A vida minha eu quero
Que seja um grito só.

Que a mim não chega o som
Do tísico badalo,
Da lágrima secante,
Do fósforo que acende
A vela derradeira.

E em mim já não ressoam
O ronco de meu tórax,
As preces de outrora,
O timbre dessa lira
Que o ar saindo gera
Roçando nas ranhuras
Dum peito que se expurga.
Daqui a 25 anos, terei 57. Portanto, 25 anos para fazer a minha obra e encontrar o que procuro. Depois, a velhice e a morte. Sei qual é o mais importante para mim. E encontro, ainda, o meio de ceder às pequenas tentações, de perder tempo em conversas vãs ou passeios estéreis. Dominei duas ou três coisas em mim. Mas como estou longe dessa superioridade de que tanto necessito. (CAMUS, Diário de Viagem)


Não tenho 32 anos. (Ainda.) Mas, lendo Camus, sinto como se tivesse. Não é que eu me pense mais velho, ou mais novo, do que realmente sou, e sim como estivesse preste a começar algo que valerá por toda a minha vida. Algo absolutamente meu. O fato de não saber dizer exatamente o que (nem exatamente quando) apenas reforça essa sensação de “espera”, como um traço essencial, um estado do ser. Aos poucos, o amanhã vai se tornando um refúgio, um lugar seguro contra todos os medos, todas as culpas. Ali, todos os erros se justificam. Para lá, converge toda a minha existência. Aos poucos, eu me torno essa distância de mim mesmo, uma dúvida prolongada nos dias, meses, anos, um vazio sem forma definida.

Há uma cronologia interessante nas palavras de Camus: “Daqui a 25 anos terei 57”. Por volta dos 30 anos é bem a idade em que a maioria dos grandes românticos encontrou seu fim, de certa forma, deixou seu “casulo”. Para seus filhos, no século XX (que não morreram de tuberculose), restou, a partir daquela idade, um sentimento de incompletude, de algo por realizar, como se a verdadeira mudança estivesse por vir, a redenção final por si próprios. Restou a espera.

"Complexo de pupa" é uma sídrome que diagnostiquei em mim mesmo, há um bom tempo. Uma ânsia constante de ser um outro alguém; de alcançar outros limites; de reinventar-se a cada sol. Esse blog pretende ser parte dessa invenção.