terça-feira, 23 de março de 2010

MINHA PELE

Minha pele é minha pauta
Onde inscrevo os meus poemas
Onde encravo as horas nuas
Onde a dor faz seu rascunho

Minha pele é minha fala
Que inventa dialetos
Que dispensa tradução
Mas entende a sua língua

Minha pele é minha farsa
Sob a qual está imerso
Estacado, quase inerte
Meu desejo de ser sangue

Minha pele é tantas rugas
Quantas foram as batalhas
Cada uma diz um pouco
(E esconde um tanto mais)

Minha pele é coisa densa
Incrustada com pecados
Com saudades, impurezas
Com pedaços de pessoas

Minha pele é pêlo e medo
De ser pele junto a outra
De ser pega de surpresa
Pelo frio, pelo beijo

Minha pele é pelo avesso
Pela noite não dormida
Pelo simples movimento
De teu corpo em despedida

Minha pele é toda ouvidos
E aroma e atrito
E amargo e vermelho
E promessa de alívio

Minha pele é tudo em volta
Do que penso, do que faço
É o mundo em poucas linhas
É o tempo condensado

Minha pele é meio sua:
É seus olhos quando vagos
É sua boca quando muda
É sua casa enquanto nua

domingo, 14 de março de 2010

RIZOMA

Quero a maior distância entre dois pontos;
Desligar as minhas partes;
Desfazer-me em meus passos;
Derramar-me em outros cantos;

Alcançar-me em outras pontas;
Amputar-me as coisas mortas –
Um abraço, um apreço, tantos anos

Desviar de tudo meu;
Despegar de todo eu;
Desdobrar-me em sentidos;

Ecoar por entre as frestas –
Reverbero do vazio;

Ser a tinta ainda úmida,
não a seca no poema,
nem a presa na caneta;

Conjugar-me no infinito;
Escrever na terceira margem;

(Ecoar por entre as frestas

Transformar-me em gravidade que não sabe a direção;
Tomar em cada rosa um aroma emprestado;
Deixar em cada espinho um pedaço de epiderme;

Esquecer-me do que sou, do que fui, do que

(Ecoar

Confundir-me com o tempo;
Compreender que não há mapa,
mas pedaços do possível;

E por fim não me caber numa folha de papel

domingo, 7 de março de 2010

POESIA SECRETA

Meus poemas são minhas chagas
(que as cultivo, as inflamo)
Desde sempre são as mesmas:
Todas feitas de memória;
Tão imunes a meu pranto

No pulsar intermitente
do sangrar já purulento,
eu confesso meus temores;
eu libero meus horrores –
meus horrores torno vossos.

Pois aos olhos reticentes
Toda mancha é promessa
De uma história em segredo

Mas segredos eu não conto.
Meus segredos eu secreto
Pelos poros, pelos pêlos,
Pelas frestas em meu corpo