quinta-feira, 28 de outubro de 2010

CARTA ABERTA À REDE GLOBO DE PRODUÇÕES (DE UM EX-TELESPECTADOR)

Prezado(s) Senhor(es),

Dirijo-me agora a quem, nesta empresa, possa ter algum interesse nas palavras de um ex-telespectador. Durante boa parte de minha vida, a Rede Globo, mais especificamente o seu canal televisivo, esteve presente e exerceu grande influência sobre a forma de eu sentir e entender o mundo. De modo que esta carta, assim como a redijo – em tom de despedida – escrevo-a como um amigo que renega o outro, ou um filho que deserda o pai.

Minha ligação com a TV Globo começou bem cedo. Nascido em 1977, presenciei vários momentos, hoje históricos para uma geração inteira de brasileiros, através da telinha global: em inícios dos anos 80, assustei-me com as criaturas do videoclipe Thriller de Michael Jackson, lançado no Brasil pelo Fantástico – naquele tempo, o país ainda enfrentava verdadeiros “monstros” de verde-oliva que ocupavam o Planalto Central, mas, estranhamente, a sua “revista eletrônica semanal” não parecia se preocupar muito com eles...; pouco depois, comovi-me com o choro de meus pais pela morte de Tancredo Neves, mesmo sem entender o porquê de suas lágrimas – haveria Tancredo sido morto pelos lobisomens de Michael?; em 90, já na pré-adolescência, aprendi sobre sexo e desejo, inspirado nos shortinhos das paquitas, e sobre como conquistar uma menina, em romances americanos como Garota de Aluguel, clássico da Sessão da Tarde. (Não é de se espantar, pois, que eu, aos 12 anos, divertisse meus tios citando de cor toda a grade da programação global, de segunda a domingo.)

Mas não só com o mundo, também a relação com as pessoas mais próximas de mim foi marcada, em algum ponto, pelo soar do “plim-plim”. Em muitos domingos “dia dos pais”, esperei o intervalo da Temperatura Máxima – exibindo Falcão, o campeão dos campeões, filme sobre o difícil relacionamento entre pai e filho – para entregar, hesitante, o presente que comprara ao meu próprio. Também foi graças aos diálogos das novelas das seis, sete, oito, que desenvolvi várias discussões com meus irmãos e amigos, enfrentando as grandes questões da humanidade – com quem ficará a Viúva Porcina? quem matou Odete Roitman?

Então veio a faculdade. Como um filho que sai de casa, precisei me distanciar um pouco da TV. Os estudos me consumiam. Conheci os livros, a música, a arte. E conheci outras pessoas, que me falaram de outros filmes (que não os americanos – descobri que “estrangeiro” não é sinônimo de EUA), e de outros romances (que não os da Sessão da Tarde). E aos poucos eu ia percebendo um mundo novo – que para mim nascera velho – onde havia novas novelas, e novas questões – com quem ficará o Petróleo do Iraque? quem matou Zuzu Angel? E houve mesmo, digo-lhe Rede Globo, quem me criticasse por ainda ter olhos e ouvidos aos seus filmes e novelas. Inútil cada crítica, pois eu, sempre que possível, visitava-lhe a casa, fosse tomando café com Alexandre Garcia, ou almoçando com o Jornal Hoje. O que aquelas pessoas não entendiam é que, como pai e filho distanciados pela vida, eu ainda lhe nutria carinho, demonstrava algum respeito.

No dia 21 de outubro de 2010, porém, mesmo esse carinho restante morreu. Foi trucidado pelas tristes cenas exibidas (fabricadas) em seu Jornal Nacional. A patética montagem cinegráfica de uma pretensa “fita adesiva” atingindo a careca daquele que, obviamente, lhe caiu nas graças como candidato à presidência da república, mais parecia saída de uma trama novelística, ou de uma ficção típica do Supercine, ou simplesmente mais uma piada sem graça do Zorra Total. Aquele foi o desrespeito final, a gota d’água (ou bolinha de papel) para quem já se desacostumara a engolir inerte sua versão do mundo.

Hoje, portanto, despeço-me de sua grade de programação. Nunca mais o velho “plim-plim” me dirá quando ir ao banheiro, como pensar ou em quem votar. “Foram tantas emoções”, Rede Globo, assim diria Roberto, mas “você não soube me amar”, responderia Evandro. Por anos, seus editores me trataram como um ser não-pensante, um pulha, alguém destinado a ser parasita de suas idéias mirabolantes, bem espelho do Brasil que você pretendeu formatar, e que agora lhe nega audiência; um Brasil submisso, dependente, entregue à cultura estrangeira (americana) – a donzela em perigo dos filmes da Tela Quente, dependente de um Stallone ou de um Schwarzenegger que lhe viesse salvar. Aqui, digo não terminantemente à sua cultura entreguista, à sua visão derrotista de nação. Diferente do filho pródigo, não me verá de volta aos seus programas indigestos, às suas notícias inventadas. Sei que sou insignificante aos seus olhos. Mas sei também não ser o único. E isso já significa muito.

(Des)atenciosamente,

Léo Ventura

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