terça-feira, 25 de outubro de 2011

EPOPÉIA DO ESGOTO

Uma barata lambe os meus pés.
Ela desce.
Ela enxerga no escuro
minhas mágoas,
minhas fezes.

Ela ingere meus pedaços
de mentira,
de pigarro.
Ela beija a minha pele
carcomida sob os ralos.

Ela anda sobre as horas
vomitadas pelo acaso.
Reconhece na descarga
os meus dias infecundos.

Ela sobe pelos muros
de tijolos e recato.
Arremete cada passo
de encontro ao absurdo.

Ela tece umas redes
obscuras com os ratos.
Enaltece essas traças
cujos corpos eu expurgo.

Sua deixa é o descaso,
sua casa é o debaixo,
sua lide é a sujeira
recusada pelo mundo.

Trinta anos de chumaços
de cabelo nos separam.
E conquanto a desconheça
pelos cantos do meu quarto,
ela sabe cada verme
que aguarda meu cadáver.

Ela agora é um pronome
definido,
desinfecto,
chafurdando na limpeza
do silêncio das palavras.

E ainda desatenta
ao sujeito,
aos dejetos,
ela aceita por completo
toda a vida que eu rejeito.

3 comentários:

  1. Augusto dos Anjos estaria aplaudindo de pé agora. Parabéns Soldier.

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  2. O ritmo de atualização está mesmo vertiginoso. Muito bom, mais uma vez. Sem palavras.
    Fagner

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  3. muito bom pode ser um pouco injusto pra te dar minha impressão do texto, mas tô mesmo sem palavras, gostei muito.

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