segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

TÍSICA

A vida minha, que seja
ao menos grito. Só.

Que a mim me basta o som
Do fôlego cessando,
Do trôpego caindo,
Dos ramos escorrendo,
(também do sol se pondo)
Por sobre meu jardim

Do surdo-quase-estrondo,
Efêmero, horrendo
Ranger do dia findo
- Calar dos sonhos brando

A minha, ao menos, vida
Eu deixo para os porcos

Que a mim me basta o sumo
Do soco revidado,
Do cuspe escurecido,
Da tosse quase muda -
Suor que veste tudo:
Vontades, medos, culpas.

A vida, ao menos minha,
Eu finjo que protejo;

Eu tinjo de vermelho
A cada madrugada
Na letra duma carta,
Num gole de cachaça,
Num gol que não se marca,
Num golpe entre tuas coxas,
Na pútrida golfada.

A vida,
menos vida,
menos minha,
Vai tecendo suas teias,
Vai deixando pelo meio
Saudades e sequóias,
Tumores e traquéias,
Estrofes já rendidas
Na tinta da caneta,
No pus de meus pulmões.

A vida minha eu quero
Que seja um grito só.

Que a mim não chega o som
Do tísico badalo,
Da lágrima secante,
Do fósforo que acende
A vela derradeira.

E em mim já não ressoam
O ronco de meu tórax,
As preces de outrora,
O timbre dessa lira
Que o ar saindo gera
Roçando nas ranhuras
Dum peito que se expurga.

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